sexta-feira, 11 de abril de 2008

Um qualificativo

Algum tempo atrás procurei estudar métrica em poesia, o que sempre foi um mistério para mim. O ritmo romântico (tônica na quarta e oitava sílaba?), o ritmo clássico. Fiz quatro aulas particulares e mas estava ficando caro e parei. Aprendi um pouco, mas o essencial continuou obscuro: os antigos e alguns novos manuais de métrica descrevem as opções mas não explicam seu motivo: por que um ritmo seria melhor que o outro? Quem decidiu isso, historicamente? Ainda não sei.

De todo modo, desde essa época comecei a prestar mais atenção no ritmo dos meus textos. Quando coloco, numa frase, três orações seguidas, tento mudar o ritmo na frase seguinte, deixando apenas uma ou duas orações. É meio intuitivo e às vezes experimento variações no mesmo trecho, trocando "e" por ponto, vírgula por "e", ponto por vígula etc.

Na semana passada li algo sobre isso num artigo de Mário de Andrade sobre os livros lançados no centenário do nascimento de Machado de Assis. Ele comenta o livro "Doença e constituição de M.A.", de Peregrino Júnior (1938):

"É, por exemplo, contestável que o ritmo ternário, característico de certas enfermidades, ocorre na obra de M.A.... seria preciso examinar também as vezes em que o escritor empregou o ritmo binário e as vezes em que bordou o substantivo apenas com um qualificativo."

Eu nunca havia lido nada sobre o isso: o ritmo baseado na quantidade de adjetivos. Muitas vezes usei muitos adjetivos na primeira versão, depois cortei na medida em que me pareceram redundantes. É um impulso de ênfase, no início, que depois se mostra desnecessário.

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Parágrafos 18 a 20:


"Durante muitos anos tive um pensamento recorrente que me envergonhava muito. Quando era noite, e eu sentia vontade de me masturbar, a cena que me vinha à mente era a sedução de um homem adulto, que convencia uma menina a aceitar a penetração. Nesta cena que construí centenas de vezes, em vários ambientes e posições, não havia beijos, nem toques, nem outros contatos físicos além dos necessários à penetração. Não era uma cena de estupro, mas a lenta estratégia em que a criança só percebia a violência a que era submetida quando já não tinha possibilidade de escapar.

Eu tinha uma vergonha e uma dúvida. A primeira era pensar que eu mesma, que queria me considerar uma pessoa boa, tivesse algo mau dentro de mim, uma vontade que, mesmo não admitida, existia e era cruel. A segunda era temer que esta violência tivesse sido infligida a mim quando pequena, numa situação que eu não recordasse, mas tivesse alterado ou condenado minha saúde emocional.

Carreguei esta vergonha por muitos anos. Havia períodos em que minhas preocupações variavam e a cena não me despertava interesse. Quando então eu pensava estar livre de sua carga, às vezes cansada de tanto trabalhar, sozinha e triste no pequeno apartamento em que morava, e queria apenas me masturbar rapidamente para sentir sono e dormir, nos momentos em que estava frágil e não precisava de mais aborrecimentos, eis que eu tentava pensar em gente nua, imagens eróticas e sãs, e nenhuma conseguia me excitar. Mulheres, seios, homens, nada. Era assim que, como único remédio capaz de amenizar meu cansaço, trazendo o orgasmo e o sono, eu construía novamente a imagem vergonhosa do abuso infantil."

5 comentários:

Anônimo disse...

duas coisas sempre foram bastante discutidas na literatura nacional. a quase extinção da métrica e da rima na poesia atual. e a tênue fronteira entre a crônica e o conto. o que é inevitável, no meio de tudo isso, é que a literatura, como tudo, também se transforma.
(www.blogdogafanhoto.zip.net)

sabina anzuategui disse...

Mas uma coisa é a extinção da métrica, outra coisa é o abandono do estudo da métrica, eu acho.

júlia disse...

eu sempre quis estudar métrica, sabina. esse professor dava aula só disso? era caro, é?

do trecho do Peregrino Júnior fico pensando por que o ritmo ternário (e qual ele é?) caracteriza enfermidades.
no mais, você corta adjetivos e eu voz passiva

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quanto ao trecho que você colocou do Afeto, tanto a masturbação e, ainda mais, a imaginação em algo moralmente confuso são temas que raramente aparecem. me parece um bom dilema e real.
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amanhã é terça-feira, estou ansiosa ;)

beijo!

sabina anzuategui disse...

Fiz aulas com uma amiga que não era especialista em métrica, mas em latim. Poderia ter procurado alguém mais direcionado, mas queria ter aulas com ela porque também conhecia retórica. Um outro professor da Letras, que é meu amigo - Alain Mouzat - indicou um tradutor de francês que é especialista em métrica francesa. Que é diferente da portuguesa, não lembro bem por quê, acho que a diferença está na contagem da última sílaba. Mas não fui em frente. De todo modo, aulas particulares custam em torno de R$ 100 por hora.

sabina anzuategui disse...

Ah, sobre o trecho do Afeto: um dos problemas desse livro é que a tensão moral e sexual ficou muito abaixo da superfície da narrativa, difícil perceber. Agora estou tentando ressaltar, porque o objetivo inicial era causar um distanciamento ético, mas não está fácil. Tenho problemas com essa aparência de tranquilidade, tanto no texto quanto em mim mesma. Odeio a figura doméstica que deixei crescer há alguns anos, provavelmente há relação com o medo do outro excesso, mais perigoso. Quando tinha uns vinte anos, quis escrever um texto chamado "Carreirista, filha da puta, e doce e sincera". Era como eu me via na época. Mas só fiz o título. Hoje ainda me equilibro mal entre polos parecidos, boazinha e perversa, um astrólogo barato explicaria por meu ascendente em câncer, signo gêmeos, lua em escorpião. Difícil. Que vergonha falar em astrologia: mas confesso que estudei alguma coisa, me interessa, é uma psicologia primitiva.