Um dos trechos que tive mais dificuldade para cortar, na primeira versão do livro, era a descrição da escola estadual atrás do prédio da narradora. Era um detalhe, talvez. Mas traduzia para mim um medo que a pobreza às vezes causa na criança: um medo ligado ao mistério do escuro, do profundo, do fantasmagórico. Diferente do medo cruel de ser assaltado: cruel não pelo assalto, mas porque te faz cruel.
Era assim:
"Às vezes, quando eram férias, passávamos o dia em casa e eu via Aramis brincando no jardim de trás do prédio. Um gramado aonde eu nunca ia, no fundo do condomínio, entre nosso prédio e o muro da escola estadual. Ninguém mais do condomínio estudava ali, apenas Juliana e Aramis. Quase não olhávamos para aquele lado da rua. Ficava atrás de um muro alto que cobria todo o prédio. Só se ouvia o sinal, na hora da entrada, no recreio, e na saída. Era uma campainha estridente que soava por todo o condomínio.
À noite, quando meus pais iam ao cinema, eu observava a escola estadual da janela da despensa. Por trás de uma árvore eu podia ver o pátio. Tinha uma quadra com traves sem rede, uma tabela de basquete quebrada. Calçada de cimento, um prédio com pintura descascada, e janelas basculantes. Alguns vidros estavam quebrados e sobravam cacos entre os contornos de metal. Por trás da árvore e dos vidros, eu via os alunos dentro das salas. As cadeiras ficavam voltadas na direção do prédio, eu não podia ver detalhes, mas todos os corpos juntos, virados pra mim, olhando um professor que eu não enxergava, escondido pela parede. Eu tinha medo quando estava sozinha. Tinha a sensação de que não eram crianças, eram mais velhos, mas não como os alunos das sextas às oitavas-séries da minha escola. Eram velhos em outro sentido que eu não sabia identificar e que me parecia perigoso."
5 comentários:
Ahcei tão triste essa visão quando li no site antigo.
Porque eh que vc cortou esse trecho?
Cortei numa tentativa de deixar o livro mais fácil de ler. Mas não funcionou.
Oi, oi,
escrevi um monte e perdi o comentário. Mas vamo lá, de novo, curti muito isso de vc escancarar tua via crucis da escrita, nem tão crucis, assim, sei lá. adoro diários de escritores, em que eles falam como que fizeram esta ou aquela parte de tal texto. sabe que pra me ligar mais em descrição, sou muito ruim pra descrever ambientes, bom, por isso, tou anotando os sonhos, só com o interesse em ter esse exercício.
legal, legal,
vou acompanhar
valeu, sabina
Oi, Assionara
Gostei do nome do seu livro. Vou procurar na editora.
Eu tamb�m sou de Curitiba, mas agora moro em SP... �s vezes tenho saudades da cidade.
Postar um comentário