sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Adentrar e refletir

Quando era mais nova, eu achava difícil revisar. Não tinha uma idéia clara do que fazer: corrigia problemas gramaticais, checava erros de digitação... mudava algumas palavras intuitivamente. Mas tinha grande dificuldade na escolha do vocabulário. Não queria usar palavras pretensamente literárias como "adentrar", "avistar" ou "refletir". Ao mesmo tempo, não encontrava termos de uso cotidiano que tivessem estilo - que parecessem naturais, mas criassem efeito no texto.

Aos poucos fui descobrindo uns truques e o principal deles foi transformar meu vocabulário passivo em vocabulário ativo, como dizia minha professora de alemão.

Por exemplo, num parágrafo que reescrevi hoje:

"Às vezes passo a roupa para ajudar, mas fico brava porque o pai e Gabriel não fazem nada. A mãe dizia que a mulher não deve ser explorada pelos homens. Eu não sou explorada, mas a casa fica sempre suja."

Quem narra é Raquel, garota de 15 anos que perdeu a mãe faz pouco tempo. O grande problema da história é o apartamento que está caindo aos pedaços desde que a mãe morreu. Apesar da situação triste, Raquel vai contando o que acontece com algum humor, pois é um livro juvenil.

Eu queria criar um efeito irônico no final do parágrafo, entre a exploração feminina e a sujeira da casa, mas achei que isso não estava muito claro. "Brava" é uma palavra fraca para essa situação. Raquel poderia ficar brava, nervosa, revoltada, irritada... vários adjetivos caberiam ali, mas nenhum me parecia dar o sentido de contrariedade com algum grau de elegância.

Então lembrei de "indignada". A noção de "dignidade" não estava nas outras palavras. E me pareceu que essa demanda ficaria discretamente cômica numa garota de 15 anos que mora numa casa suja, com o fogão quebrado e todas as contas atrasadas.
Finalmente, a frase ficou assim:

"Às vezes passo a roupa para ajudar, meio indignada porque o pai e Gabriel não fazem nada. A mãe dizia que as mulheres não devem ser exploradas pelos homens. Mas quando não sou explorada, a casa fica sempre suja."