sexta-feira, 17 de junho de 2016

In bluer skies

"A loja ficava na casa 10 da galeria Pátio da Granja, um conjunto de sobrados comerciais construído no fim dos anos 1990, simulando uma vila residencial. No centro das casas um pátio calçado com paralelepípedos, um canteiro de folhagens e dois bancos de praça. Vinícius entrava às duas da tarde depois de sair do colégio. Era responsável pela loja até as sete da noite, quando fechava tudo e deixava as chaves na casa do dono, que assumia pela manhã. Samuel, o dono, tinha um toca-discos para vinil e queria música na loja sempre, alta o suficiente para ser ouvida mas nem tanto que atrapalhasse o atendimento. No seu turno de manhã tocava os discos que encontrava em sebos e feiras no fim de semana: funk americano dos anos 1970, às vezes rap paulista dos anos 1990, às vezes algum rock psicodélico (embora os garotos do skate estranhassem esse estilo). Quando assumia, Vinícius trocava o vinil por seus arquivos digitais de música. Ele estava estudando sintetizadores de bandas pós-punk dos anos 1980. Pensava há dias numa mesma música, “In bluer skies”, do terceiro álbum da banda inglesa Echo and the Bunnymen. “Eu dependo do seu coração oprimido / para não me desintegrar.”

No começo da tarde não apareceu ninguém. Vinícius ficou ao computador, repetindo várias vezes algumas faixas do álbum, “Porcupine”, uma versão remasterizada lançada em 2003 que ele baixou da internet. Ele passava muitas horas em casa, à noite, pesquisando novos discos em sites especializados, procurando torrents para baixar o que lhe interessava. Salvava as faixas num pen drive e depois copiava no computador da loja, para ouvir no sistema de caixas de som montado pelo Samuel. Eram boas caixas, melhores que as de sua casa, e faziam parte da lista de coisas que ele pretendia comprar aos poucos com seu salário. Equipamentos musicais eram caros. A lista era grande e seu salário não.

Pouco antes das cinco entrou um garoto de uns treze anos, cabelo liso e comprido, com uniforme da Escola da Granja. Sua mãe veio alguns passos atrás e parou perto da porta, longe do balcão. O garoto veio falar com ele, queria montar um longboard, já tinha vindo à loja no sábado, Samuel mostrou alguns shapes e agora ele queria comprar. A mãe ouviu de longe, sem se intrometer. Vinícius simpatizava com esse tipo de mãe que vinha para pagar mas deixava o filho escolher sozinho e resolver por conta própria. O garoto tinha todo o figurino de skate, a bermuda larga, o tênis old school, o blusão com capuz. Mas todas as peças eram novas e caras, estavam limpas e passadas. Vinícius perguntou pra confirmar se o garoto queria montar o skate inteiro ou só queria substituir algumas peças. Era um skate inteiro; o garoto não disse, estava tentando passar por experiente, mas visivelmente seria seu primeiro skate. Vinícius simpatizou com isso também e se manteve muito sério e profissional, para não estragar o momento do moleque."

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