"Vinícius fechou a loja às
sete da noite. Desceu a Rua Nova Amazonas, depois a Nova América, no
caminho para a Estrada da Aldeia. Seus tênis já estavam bem gastos
de tanto andar a pé. Ouvia música no fone de ouvido, com o celular
no bolso da calça. Sua calça jeans meio suja, a camiseta velha, era
mais honesto como estilo e também mais seguro, certos caras do Rio
Branco tinham sido assaltados cinco, seis vezes, mas ele não, ele
não parecia um filhinho de papai.
Era quinta-feira, Naomi
sairia da aula de francês às oito e meia. Segunda e quarta não
havia dilema, ele saía da loja às sete e voltava direto para casa.
Mas terça e quinta agora havia essa questão, essa aula de francês.
Naomi se matriculou no primeiro semestre de francês básico e em
julho iria para o Canadá fazer intercâmbio. A escola de línguas
ficava na Avenida São Camilo, no meio do caminho entre a loja e sua
casa. Quando ela contou ele disse casualmente: “Qualquer dia passo
lá depois do trampo.” Era caminho pra ele, “Legal”, ela
respondeu. Ele passou numa quinta, depois na outra terça,
casualmente, caminharam juntos da escola até a casa dela para ela
não voltar sozinha de noite. Ela contou do intercâmbio, dos seus
planos, de como não gostava do Brasil porque não conseguia se
identificar com esse mundo barulhento, brilhante e dourado onde
ninguém valorizava livros e história e as coisas que ela achava
importantes. Para caminhar com ela aqueles vinte minutos, ele
precisava decidir o que fazer com a hora e meia que sobravam depois
de fechar a loja. Decidir se simplesmente parava em algum lugar e
esperava, ou andava trinta e cinco minutos até a casa do Samuel,
devolvia a chave, depois voltava pelo mesmo caminho mais vinte e
cinco minutos até a escola de línguas na Avenida São Camilo."