quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Por que Olívia escrevia

"As primeiras experiências de discreto sucesso no youtube deixaram Olívia dividida. Era bom ver o interesse dos outros pelo que ela dizia. Seu humor melhorava imediatamente ao ler os comentários, as estatísticas mostrando que o número de visualizações crescia e os acessos a seu blog aumentavam. Seu tédio cotidiano e a sensação de desimportância desapareciam momentaneamente. Ela ficava alerta e ativa, com a sensação emergente de que sua vida tinha um propósito. Porém havia um descompasso entre os vídeos que faziam mais sucesso e os que Olívia considerava melhores e mais autênticos. Seus três primeiros sucessos foram respostas a alguém, reações inflamadas a conflitos de outras pessoas, não temas originais que ela escolheu a partir de suas motivações mais internas. Foi até mesmo fácil para ela se manifestar sobre o vídeo do chip ou a história de Bruna. Olívia teve tantos tormentos íntimos e familiares em sua própria vida, tinha gastado tanta energia emocional remoendo suas angústias, que opinar sobre as relações alheias era simples. Ela tinha mais orgulho dos textos que foram difíceis de escrever, mas nenhum desses despertou tanto interesse.

Olívia escrevia por muitos impulsos e motivos, alguns deles contraditórios. O começo de sua adolescência foi assombrado por fantasias de abuso, manipulação e vingança. Eram seus fantasmas noturnos, seus cenários eróticos, quando estava sozinha e trancada no quarto antes de dormir. Mas durante o dia, nas aulas e em casa com a avó, ela se comportava conforme as regras, raramente brigava ou se rebelava contra alguém. Suas atitudes mais correntes eram o desânimo e o desprezo; não criava conflito porque preferia ignorar o que detestava, convencer a si mesma de que estava imune a tudo. A situação mudou nas férias entre o primeiro e o segundo colegial, no verão de 2008, quando ela e Vinícius começaram a namorar. Os dois não eram apaixonados e a decisão consciente de se unir, falar a verdade e acolher as indignações um do outro ampliou a compreensão de Olívia sobre muitas coisas. Sua raiva interna se dissolveu um pouco, deixou de ser tão secreta. Quando o namoro acabou, ela tinha outras ideias e outra necessidade de expressão. Seu blog absorveu tudo isso.

O blog canalizava toda inquietação de Olívia sobre o mundo e sobre si mesma. Entre os dezesseis e os dezessete anos Olivia questionava tudo, desconfiava de tudo, queria redefinir do zero o que era viver, encontrar um caminho próprio e verdadeiro para uma existência livre da mentira e da banalidade. Ela achava que poderia fazer isso sozinha, observando e pensando, pois somente pessoas muito atormentadas e francas poderiam compreendê-la, e essas pessoas quase não existiam. Quem a compreendia em seu colégio? Ninguém. Quem a compreendeu verdadeiramente entre todas as pessoas que ela conheceu na vida? Ninguém. Vinícius foi quem talvez chegou mais perto. Agora ela precisava se virar sozinha.

Olívia não queria fazer terapia, embora sua avó perguntasse sobre isso a cada tantos meses. Mas depois de quatro anos de sessões semanais, dos 9 aos 13 anos, essa era a última de suas vontades. Na última vez que Inês tocou no assunto, ela explodiu:

- Pára com isso, vó! Eu não quero! De jeito nenhum. Nunca mais. Nem agora nem daqui a um mês nem daqui a seis meses. Não fica me perguntando porque a resposta vai ser sempre não.

Escrever era difícil, mas transformava seu tumulto interno em algo concreto. As frases, uma depois da outra, se articulavam melhor do que suas ideias, e se um rumo aparecia conforme as palavras se ordenavam, esse rumo ficava gravado e não se perdia nas flutuações de ânimo de seu dia a dia."

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