segunda-feira, 21 de maio de 2012

Roteirista e operário

Na última semana andei pensando sobre alguns lugares-comuns que se ouvem sobre "o problema crônico do roteiro" ou a "falta de bons roteiristas" no cinema brasileiro.

Em geral, essas opiniões parecem sugerir que os roteiros de filmes brasileiros, mesmo quando eficientes em relação ao seu público de destino, são menos inteligentes ou elegantes que outros modelos generalizados tomados como melhores (de filmes argentinos, ou seriados americanos, ou outra média qualquer de preferência).

Essa generalização me irrita e nem sempre consigo explicá-la. A raiz de minha irritação provavelmente vem dessa interpretação: se o problema crônico é a falta de bons roteiristas, então a causa seria um acidente demográfico que gerou um país sem talentos para o trabalho?

A causa do problema crônico de roteiro seria a incompetência crônica dos roteiristas?

Certamente não.

Aos dezoito anos eu me considerava naturalmente talentosa para escrever. Acreditava que tinha capacidade e talento para lidar com qualquer dificuldade de composição dramática. Ingenuamente, talvez. Mas meu entusiasmo natural era tão fácil e fluido que eu tinha total confiança em minha habilidade.

Bem: a experiência mostrou que isso não era suficiente.

Os contatos e contratos entre roteiristas, diretores e produtores acontecem por dezenas de motivos, e nem sempre a habilidade de escrever é o fator determinante.

Simpatias, amabilidade, apresentação sedutora, nome, fama, ou simplesmente casualidade. Ser charmoso e falar bem muitas vezes vale mais do que escrever bem.

Há também roteiros que seduzem no papel - porque têm frases bem sacadas e evidentes - e nem sempre são bons. A esperteza no texto nem sempre traduz uma boa relação entre imagens e construção dramática.

A carreira de roteirista de cinema é ingrata: pouco trabalho disponível, pagamentos irregulares, muita concorrência pelas vagas - porque qualquer um pode ser roteirista, a princípio. Atores, publicitários, redatores. É uma profissão de aparente glamour criativo, e muitos se candidatam.

Na maioria absoluta dos casos, a decisão de como o roteiro deve ser vem de cima pra baixo. O dono do projeto - aquele que irá buscar o dinheiro - tem sua ideia do que deseja, e o roteirista precisa se desdobrar pra atender àquela fantasia. Nesse processo, muitas vezes o roteirista simplesmente desiste das qualidades em que acredita, porque o dono do projeto não está disposto a adaptar suas intenções iniciais. Ser roteirista de cinema, no Brasil, é uma prestação de serviços. É uma relação entre chefe e operário. Não é um diálogo criativo entre dois profissionais com igual autonomia.

Aos meus alunos que escrevem bem, eu recomendo que procurem a televisão. Roteirista de cinema, no Brasil, não é trabalho pra quem precisa pagar aluguel todo mês.

E, na televisão, você precisa escrever conforme a demanda da televisão. Se os roteiristas mais experientes, hoje, escrevem de modo "televisivo", como culpá-los?




8 comentários:

Anônimo disse...

A questão é que quem anda tendo projetos aprovados ou conseguindo patrocínios. Esses entram com roteiros previsíveis e sem criatividades. Ou quando adaptam obras literárias não conseguem fazer boas adaptações. Poucas exceções. Roteiristas famosos dão cursos péssimos e selecionam roteiros péssimos de alunos. A solução é quem tem roteiros inovadores e inteligentes continuar insistindo contra a predominância de filmes televisivos e previsíveis.
Francisco C.

Anônimo disse...

Sinto uma forte relação entre o meu email e esse post. rsrs...

sabina anzuategui disse...

Bem, também há uma questão de gosto.

Quanto a concursos, não adianta premiar um roteiro ótimo sem algum diretor/produtor interessado.

Fazer um filme é porrada, muito trabalho e eventualmente prejuízo pessoal.

Produtores e diretores têm seus problemas que não são pequenos.

Só me irrita é que a culpa às vezes caia sozinha sobre os roteiristas.

Rá disse...

E qual profissão, ainda, conseguiu manter o idelismo dos recém-formados, acadêmicos, e professores? Me parece, às vezes, que tudo se tornou uma grande prestação de serviços, sendo roteiristas, sendo médicos, e... talvez até aquele desenhista fazendo caricaturas em paris já não tenha aquele glamour todo...

Unknown disse...

Sabina,

só resta jogar uma bomba e esperar que da fumaça e dos escombros nasça alguma coisa de bom. Ou talvez não. É otimismo demais...

Unknown disse...

Professora Sabina,
lendo seu post me lembrei de quando eu tinha meus 14 anos e achava que era talentosa e tinha sonhos, planos... E o quanto a realidade é diferente muitos anos depois!

É sempre uma busca por onde trabalhar, a TV embora pareça mais amigável, não recebe ninguém sem uma recomendação ou indicação. É um mercado cruel, em que sonhos e trabalhar com amor, não são levados em conta... O dinheiro fala mais alto e muita gente abandona os sonhos de viver de roteiros. Desejo que a luz no final do túnel possa cada vez brilhar mais para todos os colegas e amigos de profissão e sonhos! Beijos

Tiago Castro disse...

Penso que falta um pouco de treino, um toque de ideias talvez.

Vejo alguns amigos apresentando roteiros para possíveis diretores, mas sem o cuidado de revisá-los, fazer um exercício de reescrever algumas partes.

Muitas vezes a ideia é boa, mas ao desenvolvê-la, perde-se um pouco do seu conceito e conteúdo.

Luiz Felipe Petrucelli disse...

É verdade, Sabina. Quando o filme é bom, o mérito é todo do diretor. Mas quando é considerado sem criatividade, bem, aí a culpa recai toda sobe nós.