segunda-feira, 14 de março de 2011

Sentir o chão

Entre 2005 e 2006, escrevi crônicas para a revista TPM. Devia falar da vida de casada, enquanto Antonia Pellegrino tratava das solteiras.

Não conheço Antonia, mas desconfio que ela, assim como eu, não gostava de seu papel. Embora eu fosse casada, não tinha naturalidade para falar dos casamentos de maneira geral. Não acreditava que ser casada fosse algo fundamental da minha existência.

Tinha horror das mulheres que reclamam da toalha molhada no chão, o sapato espalhado na sala, bagunças de marido que deixam as mulheres histéricas.

A toalha está chão? Cata e pendura.

Ou deixa lá. Qual o problema? A irritação vem da mulher e não da toalha. A mulher que não pode ver nada fugindo de sua ordem mental pre-estabelecida.

Eu tentava fugir desses assuntos, mas não queria expor minha vida íntima. Então procurava detalhes que fossem narráveis, e tivessem algum significado, sendo pessoal no limite da prudência.

O estilo não causava suficiente polêmica, e a coluna foi cancelada.

Ontem resolvi recortar as revistas arquivadas, para guardar só meus textos, e jogar o resto fora.

Encontrei esta crônica especialmente triste.

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"Meu marido construiu uma oficina no fundo da casa e agora passa todo o seu tempo livre lá atrás: organizando parafusos, arrumando cadeiras, construindo um portão de madeira para que a cachorra não entre no quarto. Às vezes acorda cedo, antes das sete horas, e já vai para a oficina. Fica ali entre suas ferramentas até a hora de sair para trabalhar. Meu avô tinha uma oficina e a cena me parece absolutamente familiar: os homens gostam de ter seu canto para inventar coisas.

Enquanto isso, eu ando em crise de relacionamento com nossa cachorra. Sempre adorei cães, e para mim a amizade canina era a mais carinhosa que existia: era só oferecer um cafuné e o cachorro deitava, abria as pernas, rolava no chão. Mas nossa cadela nova não se entrega a dengos: ágil demais e hiperativa, ela quer apenas correr pelo quintal e latir para os gatos em cima do muro. Eu a chamo para um cafuné, e ela não vem.

Nossos fins-de-semana vão passando lentamente, entre a oficina, a cachorra, e o sofá. Tomamos café, lemos o jornal, ele vai mexer em seus parafusos, eu continuo a ler. Eu pego a agenda e tento ligar para nossos amigos habituais: não encontro ninguém em casa. Saímos então para almoçar só os dois. No restaurante, eu observo os casais nas outras mesas. O mundo é cheio de casais, alguns parecem fixos, outros passageiros. A imagem me traz a lembrança de outra época, com outro namorado, e outros fins-de-semana em que não encontrávamos amigos para sair. Nesse passado já distante, estarmos só em dois era sinal de tédio. Agora não. Sentamos um em frente ao outro, olhamos o cardápio, e o tempo corre tranqüilo. Pedimos sempre a mesma comida. Experimentamos cervejas de marcas diferentes. Comemos, bebemos, e voltamos para casa pra deitar um pouco no sofá.

A casa em que moramos é térrea e sólida. No quintal tem uma oficina e uma cachorra que late muito à noite. Às vezes eu me angustio e acho que tudo vai desmoronar. Mas é só sentir o chão, pisar firme sobre o tapete, que a calma volta."

2 comentários:

Paulodaluzmoreira disse...

Triste, mas bonito, Sabina.

Curitiba é um copo vazio cheio de frio disse...

Sabina, adoro você! Como é bom te ler!!!