segunda-feira, 28 de março de 2011

Paula

Minha admiração por Paula era tão grande, o sentimento mais antigo que eu podia lembrar. Eu sempre agitada, correndo, ela quieta em seu apartamento. Paula vivia sob o olhar da mãe e não reagia a isso. Tinha horários certos para as tarefas, o lanche, os remédios. Gastava horas na sala de televisão, sentada num sofá baixo de criança. Passávamos a tarde assistindo a filmes que ela gravava em seu videocassete. Preferia filmes antigos em que as moças usavam saias rodadas e cantavam músicas enquanto dançavam. Encantava-se com algumas cenas, que assistia várias vezes seguidas. Paula era “tímida”. Em volta dessa palavra circulavam seu jeito calmo e minha admiração protetora por tudo o que ela tinha de frágil e diferente de mim.

A timidez de Paula era a meus olhos um sinônimo de beleza. Eu via nos detalhes de seu corpo os sinais de uma delicadeza que eu não tinha. Sua pele era mais branca que a minha, por natureza e hábitos familiares. Sob meus pelos castanhos não apareciam veias azuis como nos braços dela. Seu corpo muito magro, seus cabelos loiros. Não havia nenhuma criança tão clara quanto ela no condomínio. Entre o cabelo e sua pele, de tons tão parecidos, parecia não haver divisão, formando uma imagem límpida que me encantava como um foco de luz. Seu cabelo sempre preso em tranças ou rabo-de-cavalo, porque sua mãe “odiava cabelo no olho”. Essa mãe que escolhia e passava sua roupa todos os dias, num cuidado que me parecia tão antigo. “As crianças têm que se virar sozinhas”, minha mãe gostava de dizer. Mas nesse aspecto eu pensava que minha mãe estava errada e a de Paula certa: seu rigor mantinha a imagem da filha como uma criatura recolhida, preservada.

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