quarta-feira, 28 de julho de 2010

Uma modificação do solo

Lindo poema de Francis Ponge no blog de Antonio Cícero.

Tenho O partido das coisas há muitos anos. Comprei entusiasmada pela descrição que vi em algum lugar: um livro do ponto de vista das coisas.

Antes de comprar, perguntei a um amigo francês se conhecia o livro. Ele disse que sim, vagamente: seria próximo de João Cabral, mas Cabral era melhor poeta.

Hoje discordo. Os poemas têm um mistério e uma linguagem estranha. A biografia de Ponge também me interessa: por sua lentidão, pelo que não aconteceu.

A tradução, na edição da Iluminuras, não é muito boa. Tenho preguiça agora de verificar o autor.

Segue o início de Água, em tradução de Fred Girauta. O original e a tradução completa estão aqui.

- - -

Água


Abaixo de mim, sempre abaixo de mim se encontra a água. É com os olhos baixos que sempre a vejo. Como o solo, como uma parte do solo, como uma modificação do solo.

Ela é branca e brilhante, informe e fresca, passiva e obstinada em seu único vício: o peso; dispondo de meios excepcionais para satisfazer esse vício: contornando, traspassando, erodindo, filtrando.

Dentro dela esse vício também brinca: ela desaba sem cessar, renuncia a toda forma a cada instante, tende somente a se humilhar, deita-se de bruços no chão, quase cadáver, como os monges de certas ordens. Sempre abaixo: tal parece ser seu lema: o contrário de excelsior.

Nenhum comentário: