quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A noiva

Li este conto de Tchekhov na segunda-feira à noite, antes de dormir. Tive uma triste sensação de familiaridade, aumentada pelo cansaço e o sono.

Há uma tradução disponível aqui. É diferente da publicada pela L&PM. Mais antiquada, talvez mais bonita.

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"Nadia chegou à sua cidade ao meio-dia. O caminho da estação para casa deixou-lhe a impressão de que as ruas eram muito largas e as casas pequenas e achatadas. Não havia gente nas ruas; cruzaram-se apenas com um afinador de pianos, um alemão de sobretudo cor de cenoura. Dir-se-ia que todas as casas estavam cobertas de poeira. A avó, velha de todo, gorda e feia como antes, abraçou Nadia e chorou muito, incapaz de afastar o rosto encostado ao ombro dela. Nina Ivanovna também estava visivelmente mais velha e mais feia, como que encolhida, mas continuava com a cintura fina e anéis com brilhantes nos dedos.

— Minha querida! — exclamava ela, tremendo toda. — Minha querida!

As três ficaram algum tempo chorando em silêncio. Notava-se que tanto a avó como a mãe sentiam que o passado estava perdido para sempre, irremediavelmente; já não gozavam a consideração de antes, não tinham a mesma posição social nem o direito a receber visitas. O mesmo se sente quando uma casa, em que se levava uma vida fácil e despreocupada, é invadida de noite por policiais que revistam tudo, descobrindo-se então que o dono havia desviado fundos ou falsificado dinheiro, e pronto — adeus vida fácil e despreocupada!

Nadia subiu ao andar de cima e viu a mesma cama, as mesmas janelas com simples cortinas brancas, lá fora o mesmo jardim inundado de luz, alegre e sussurrante. Passou a mão pelo tampo da sua mesa, sentou-se e ficou pensativa. Havia almoçado bem e tomado chá com natas, gordas e saborosas, mas sentia falta de qualquer coisa; os quartos pareciam-lhe vazios e os tectos muito baixos. Quando, à noite, se deitou, metendo-se por baixo do cobertor, pareceu-lhe estranhamente engraçado estar naquela cama quente e muito fofa."

4 comentários:

Paulodaluzmoreira disse...

Encontrei a versão em inglês. Fora detalhes como o casaco do afinador que é cor de cenoura na versão para o português e "rusty" na versão inglesa, tudo está bem parecido:
Nadya arrived at her native town at noon. As she drove home from the station the streets seemed to her disproportionately wide, the houses very small and squat. There was hardly anyone about, and the only person she met was the German piano-tuner in his rusty overcoat. And the houses seemed to be covered with a film of dust. Granny, now really old, and as stout and plain as ever, put her arms round Nadya and cried for a long time, with her face pressed against Nadya's shoulder, as if she could not tear herself away. Nina Ivanovna, who had aged greatly, too, had become quite plain and seemed to have shrunk, but she was as tightly laced as ever and the diamonds still shone from her fingers.

"My darling," she said, shaking all over. "My own darling!"

Then they sat down and wept silently. It was easy to see that both Granny and Mama realized that the past was irrevocably lost. Gone were their social position, their former distinction, their right to invite guests to their house. They felt as people feel when, in the midst of an easy, carefree life, the police break in one night and search the house, and it is discovered that the master of the house has committed an embezzlement or a forgery--and then farewell forever to the easy, carefree life!

Nadya went upstairs and saw the same bed, the same window with its demure white curtains, the same view of the garden from the window, flooded with sunshine, gay, noisy with life. She touched her table, sat down, fell into a reverie. She had a good dinner, drinking tea after it, with delicious thick cream, but something was missing, there was an emptiness in the rooms, and the ceiling struck her as very low. When she went to bed in the evening, covering herself with the bed-clothes, there was something ridiculous in lying in this warm, too soft bed.
http://www.ibiblio.org/eldritch/ac/betroth.html

sabina anzuategui disse...

obrigada! a tradução em português não está assinada. teria sido feita a partir do inglês ou francês?

Paulodaluzmoreira disse...

Dizem que as coisas mais antigas do russo para o português em geral eram traduzidas do francês.
Eu uma vez tive que estudar umas traduções de Gogol para o português [e usei uma tradução do inglês tbm, já que russo só seis meia dúzia de palavras] e, sinceramente, tinha coisa que parecia mais "traduzida" da tradução anterior em português!
Vc ficou sabendo do "Dom Casmurro traduzido para o português"?

sabina anzuategui disse...

lembro de um comentário sobre uma antiga tradução da odisseia... era mais fácil entender o original grego que a tradução!