quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Crentes e felizes

Frase batida mas tem sua verdade: começar é difícil. Já escrevi três inícios diferentes, mas não engrenava.

Agora encontrei o tom (acho).

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"1.

Palavras feias me incomodam, por isso evito falar de religião. Não poderia dizer "sou atéia" ou "agnóstica". Quem for algo que se explique, prefiro ficar quieta. Herdei a desconfiança de meu pai: "Não vai estragar a menina", ele dizia, quando a mãe me levava à congregação. Aos doze anos já ficava com ele nos fins de semana, ajudando a carregar e descarregar a Kombi. A mãe passava sábado e domingo na igreja, entre círculos de oração, grupos de louvor, escola dominical.

O pai não emitia opinião articulada. Limitava-se a bufar ou estapear o vazio, quando ela mencionava os versículos. Às vezes dizia "amém", encerrando o assunto. Na minha escola no Jardim das Flores, em Osasco, era raro ser discreta e descrente. Eu prestava atenção às aulas, não usava bijuterias nem maquiagem, muitos alunos achavam que era evangélica. Ficavam surpresos quando eu negava, como se perguntassem: "Então por que estuda tanto?"

Na faculdade de história, depois, encontrei muitos ateus. Filhos de professores universitários com longos discursos sobre religião, às vezes bêbados, às vezes sérios. Eu ouvia mas não participava. A princípio concordava, mas não via interesse em brigar. Se havia crentes e felizes, qual o problema?"

2 comentários:

Paulodaluzmoreira disse...

Ficou ótimo, Sabina: o relacionamento com pai e mãe, os dois como personagens da memória da narradora, o "absenteísmo" [palavra feia que ela também se recusaria a usar] dela - sempre só ouvindo e pensando sem participar, a questão de classe. Três parágrafos e um mundo de coisas e sem impressão de pressa ou amontoado!

sabina disse...

obrigada, :)