É curioso escrever um conto ao modo tradicional, linear e narrativo. Durante muito tempo resisti a isso. Achava que a narrativa era uma "obrigação" e uma "amarra". Uma colega minha de mestrado, muito criativa e inteligente, sorria com meus comentários. "A narrativa é apenas uma desculpa", ela dizia.
Acreditei nela, mais foi difícil incluir a crença em meus hábitos. Difícil explicar a cadeia de sentimentos revoltosos: "por que fazer uma historia clara e bem amarrada? para agradar os outros? pra me conformar ao que os outros querem ler? mas por que eu deveria fazer isso?".
As melhores lições acontecem por tentativa e erro. Com o passar do tempo, foi brotando um espírito classicista em mim. A convenção me parece às vezes o único caminho de liberdade - variações sobre o mesmo tema, como música, pintura. Sem a convenção, como variar?
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Adoro o título de Harold Brodkey, também usado na coletânea brasileira: "Uma historia ao modo quase clássico".
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"Uma opção óbvia seria contar para Letícia, a mãe da Rafa. Afinal tínhamos dezenove anos e o direito teórico de namorar no quarto. Essa era minha opinião, não exatamente compartilhada.
- Quando você contar pra sua mãe, eu conto pra minha - era o que Rafa dizia.
- Você quer transar na casa dela? São oito horas de ônibus.
Rafa se irritava, discutíamos e ela passava dias sem me ligar. Eu também não ligava a cada briga, só alternadamente. Não queria ser sempre a primeira a pedir desculpas. Me concentrava nessa contabilidade para manter um mínimo de orgulho, mas minha dignidade não era sólida o suficiente para resistir às promesssas de bebida e elogios gratuitos que às vezes apareciam. Eu desconfiava que os senhores elegantes ofereciam seus mimos pela minha aparência geral de juventude, não por meu conteúdo específico. Queria ser uma lésbica militante e resistir ao conforto fácil, mas era pobre e carente demais pra isso."
2 comentários:
Li na revista New Yorker essa semana um artigo SENSACIONAL sobre um grupo fascinante de lésbicas militantes dos anos 70 que pode te interessar. Se não der para acessar online, me avisa que eu tento te mandar. Vou escrever um post sobre isso, mas é o seguinte: é um grupo pequeno, radicalmente lésbico-feminista; elas simplesmente nunca dirigiam a palavra a qualquer homem e viviam em comunas rurais em que nem crianças do sexo masculino podiam entrar. Umas poucas se encontram e decidem criar um grupo chamado "Van Dykes" [brincadeira com um sobrenome que existe e o carro van e dyke que quer dizer sapatão]: todas mudam de nome e adotam o mesmo sobrenome [Van Dyke]; vivem viajando em uma pequena caravana de vans; são totalmente contra a monogamia então ali nas kombis ninguém era de ninguém. Isso é só um resumo rápido do artigo, que centra atenção na única delas que ainda usa o nome daquela época. Vale a pena.
Obrigada pela dica!
Comecei a ler, parece ótimo.
AH: Se alguém mais se interessar, posso emprestar o login e senha p/ leitura.
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