quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Deisi, Lobato e a garçonnière de Oswald

"O grupo que frequenta a garçonnière de Oswald na rua Líbero Badaró tem por companhia uma estudante da Escola Caetano de Campos, que está na casa dos 16 ou 17 anos. (...) A musa normalista que desperta o interesse de Oswald é tratada por Deisi (como Oswald grafa nas memórias), mas existem variações - Daisy, Dasy, Dasinha, Tufão, Tufãozinho, Miss Cyclone.

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A vida da garçonnière serve de refúgio a Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Leo Vaz e Ignácio Ferreira, sempre animada pelas conversas, pelos amores e pela música de uma grafonola. O romance de Oswald com a normalista vai do ano de 1917 ao dramático 1919 [em que ela falece por complicações de um aborto, agravadas pela tuberculose]. Deisi muda-se dos arredores da rua Augusta par o bairro do Brás. Para desespero daqueles rapazes, de vez em quando desaparece da garçonnière. Apaixonados por "Miss Ciclone", passam agora a chamá-la de "a esfinge do deserto do Brás".

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Esse grupo da garçonnière escreve um diário, composto de 30 de maio de 1918 a 12 de outubro de 1919... É um caderno muito grande, espesso, contendo duzentas páginas, e ilustrado cotidianamente a muitas mãos. Batizam o diário de O perfeito cozinheiro das almas deste mundo. A página de abertura estampa um longo texto escrito com tinta roxa, anunciando os muitos temperos e artes que fabricam "no ambiente colorido e musical deste retiro, o cardápio perfeito para o banquete da vida".

(...)

Monteiro Lobato aparece bastante no local, e certa vez ali esqueceu as provas de seu livro Urupês. Anos mais tarde, quando Oswald rende sua homenagem aos 25 anos dessa obra, relembra o lugar do antigo refúgio, onde o escritor deixara as provas do livro esparramadas em um sofá de palha sem bordas, com forro de cretone, que lhes servia de cama. E resgata a anotação que Ciclone faz no diário conjunto: "O Lobato não é besta senta de atravessado na vida".

Nas páginas de O perfeito cozinheiro, registra-se:

"Lobato esteve aqui e esqueceu as provas dos seus 'Urupês' sobre o sofá. A Cyclone, muito pimpona, atribuiu à sua influência desnorteadora esse gesto do nosso homem do dia. Lobato, defenda-se ou confesse que tomou Cyclonol".

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"Oswald de Andrade - Biografia", Maria Augusta Fonseca, Editora Globo, 2007.

2 comentários:

Unknown disse...

Cyclonol??? Excelente!

Paulodaluzmoreira disse...

Será que alguma coisa dela ou de outra frequentadora qualquer ficou na "Miss Corisco" do Alcântara Machado? Olha a abertura do conto [vou postar no meu blogue tbm]:

"Embora alguns nacionalistas teimassem em chamá-la de senhorita o título oficial era Miss Corisco. Dez casas no bairro tomavam conta da igreja pobre que primeiro nem caixa de esmolas tinha. Depois compraram uma caixa. Mas nunca viu um tostão porque o dinheiro que havia se gastou todo com ela. Miss Corisco foi eleita pelo sistema de exclusão. A filha do Bentinho era sardenta. A irmã do João tinha um defeito nas cadeiras. Logo de saída a Conceição se impôs: foi aclamada Miss Corisco.

Aí deu uma entrevista para o O Cachoeirense. Perguntaram: Qual a maior emoção de sua vida? Respondeu: Três: minha primeira comunhão. uma fita do Rodolfo Valentino que eu vi na capital do meu querido Estado e... não conto porque é segredo. Respeitamos o segredo (escreveu o jornal) pois naturalmente encobria urna linda história de amor. Depois perguntaram: Qual o seu maior desejo? Respondeu: Sempre ver o Brasil na vanguarda de todos os empreendimentos. Resposta admirável (comentou O Cachoeirense) que revela em Miss Corisco uma patriota digna de emparelhar com Clara Camarão, Anita Garibaldi, Dona Margarida de Barros e outras heroínas da nacionalidade. Finalmente perguntaram: O que pensa do amor? Respondeu: O amor, minha fraca opinião, é uma cousa incompreensível mas que governa o mundo. Palavras (acentuou o órgão) que encerram uma profunda filosofia muito de admirar atentos o sexo e a juventude da encantadora Miss.

Miss Corisco foi retratada em várias posições: com um cachorrinho no colo, apanhando rosas no jardim, as costas das mãos sustentando o queixo. Deu também um autógrafo. Papel cor-de-rosa de bordas douradas, risquinhos de lápis para sair bem direitinho e as letras se equilibrando neles. O cunhado ditou. Os representantes do O Cachoeirense se retiraram. Miss Corisco foi varrer a cozinha como era de sua obrigação todos os dias inclusive domingos e feriados e na manhã seguinte tomou a jardineira em companhia do irmão casado para comparecer na cidade perante o júri estadual."