Continuando sobre o assunto das "gerações mortas".
Ouvi o nome Mário Chamie pela primeira vez na ECA. Ele é pai de uma ex-aluna, agora cineasta, Lina Chamie. Gosto muito da Lina então, por associação, eu tinha inclinação a simpatizar com ele. Mas na época (2001), não eram muito claras para mim certas rixas acadêmicas e literárias. Gostei da entrevista, ou pelo menos de partes, e mandei um e-mail a meus amigos comentando.
Era uma lista que mantive por alguns anos: amigos, professores, conhecidos. Pessoas para quem eu mandava textos e idéias. Bem, um desses professores me respondeu simplesmente: "não perca tempo com quem não vale a pena".
Foi então que comecei a perceber as divisões antes insuspeitas.
Hoje percebo melhor a provocação que existe no trecho abaixo. Mas, sinceramente, deixando de lado as questões de direita x esquerda, progressitas x conservadores... tem alguma verdade no que está dito aí.
- - -
Estado - Depois do anos 70, a poesia brasileira, a dos anos 80 e 90, inventou um novo dizer ou recaiu na mesmice multiplicada de que você fala?
Chamie - De certo modo, os poetas de 80/90 (surgidos no período ou remanescentes dos anos 60) estão para as vanguardas e a poesia marginal assim como a geração de 45 esteve para o modernismo. Tomada ainda por resquícios livrescos, a produção desses poetas retraiu-se a nichos universitários, antologias, coletâneas, coleções ou corporações autopromocionais. Curiosamente, o aumento de suas publicações e a ampliação de seus nichos somam menos as diferenças e multiplicam mais as igualdades.
Não se destaca nessa produção nenhuma personalidade criadora, marcante e original. Para se ter idéia disso, basta recorrer às suas coletâneas ou antologias. A leitura de uma valeria pela leitura de todas. Por exemplo, a coletânea Artes e Ofícios da Poesia (SMC/Artes e Ofícios editora, 1991), organizada por Augusto Massi. Ler os depoimentos e poemas, ali presentes, revela os ofícios e artes de uma poesia que tapa os ouvidos para fugir da própria voz. Os poetas que lá estão, em sua maioria, primam pela paráfrase, citação, cópia, transcrição e rasura de discursos alheios já consagrados. De Sebastião Uchoa Leite, passando pelo epígono da poesia práxis, Armando Freitas Filho, até José Paulo Paes ou Francisco Alvim, o diapasão parece ser um só: andam muito à sombra de autores ou tendências que veneram, nutrindo-se de seus resíduos e suas migalhas. Mal comparando, lembram células sem DNA próprio. São, por isso, criativamente desimportantes, apesar de bem cultivados em seus ofícios e artes. Mário de Andrade os chamaria de "preparatorianos", ou seja, de ótimos e aplicados aprendizes. Outros preparatorianos, da estimável estirpe de Nelson Ascher, Carlito Azevedo ou Arnaldo Antunes, caso fizessem parte da coletânea acima, com certeza se irmanariam na multiplicação dos pães e peixes da igualdade. A desimportância criativa, porém, não anula a importância histórica dos preparatorianos: a de manterem a poesia em promissor e superável compasso de espera.
12 comentários:
O problema desse tipo de discurso eh que ele eh marcado pelo desejo de marcar fronteira, marcar posicao numa busca por espaco institucional nos jornais e nas editoras - no Brasil as divergencias tendem a diluir-se ou recrudescer ao sabor das conveniencias, tanto na politica como na poetica. Essa historia de "xingar" os outros de "mediocre" ou "epigono" parece a versao polida de uma briga entre criancas no tanquinho de areia da praia. Sinceramente eu sou uma pessoa com um nivel de energia "baixo" e tenho certeza que se me ocupasse dessas coisas nao conseguiria fazer mais nada alem. E a vida eh uma so e a venalidade alheia me faz muito mal. Espero que vc nao me interprete mal, eu nao quero ficar aqui fazendo uma daquelas conversas de surdos em que cada um diz o que quer sem responder ao que o outro colocou...
o texto fala em falta de criatividade, em mesmices, em propagação de formas criativas iguais... agora faço apenas uma pergunta: que raios esse palavrório todo tem a ver com o tesão da arte?
Arte seja qual for sua forma de expressão tem que ter apenas um farol a se guiar: despertar tesão no leitor, ou espectador, ou ouvinte, ou sei lá mais oque.
Na minha concepção o que vale mesmo é o conteúdo artístico que excita o leitor, independente da escola inspiradora ser antiga, ou atual, ou vanguadista...
Arte é pra sentir e viver, aí vem um cara desses me falar que os poetas sitados no texto não tem DNA próprio, kkk... isso é o cúmulo!
Desde quando o DNA de uma poesia vem do estilo ou escola utilizado?????? Isso é uma afirmação muito imbecil! O DNA de qualquer poesia ou obra de arte tem e sempre terá apenas uma origem: a inspiração, o espírito(seja lá oque isso realmente for), a idéia, o sentimento momentâneo... enfim o DNA é o próprio escritor, nada mais redundante.
Não sei se sua compreensão foi correta. Ele diz que os poetas são médios - escrevem bem, mas não se destacam. Ele não está acusando agressivamente, parece sugerir que eles são médios porque querem, colocaram para si mesmos ambições modestas e médias.
Quem já leu esses poetas, não poderia discordar totalmente.
Lógico que o sonho da "grande arte" tem uma origem messiânica. Estamos esperando sempre o grande gênio, o artista que nos despertará de nosso limbo de mediocridade. Talvez seja um traço infantil, uma busca do modelo, do pai.
De todo modo, acho o oposto ruim, contentar-se ao muito pequeno. Porque esse pequeno vai ficando cada vez menor, pequeno demais.
Sabina não posso concordar com isso...
Pelo menos eu nunca sonhei e nem sonharei com uma "grande arte" (muito bem colado entre aspas já que não existe arte grande ou pequena, existe arte e ponto!)
Acho esse pensamento de messias sem sentido, afinal quem precisa disso é a religião, ou a ciência, ou a filosofia quiçá... a arte precisa apenas continuar vivendo no seu estado mágico e transcendental, impossível de ser medida por padrões críticos. Acho que qualquer arte jamais pode ser considerada pequena, arte é sempre arte, é sempre o espelho a revelar os abismos da alma, ou as cores do mundo, a arte é o que nos torna humanos, e acho de todo irrelevante essas considerações acerca de "grande arte" , como se elas podessem traduzir melhor os sentimentos humanos que outras formas artísticas vitimadas por estudos críticos insatisfeitos.
Falo isso de maneira incisiva e forte porque nada me parece mais na contramão da arte do que os discursos dos "estudiosos da arte"; suas idéias soam como zumbidos burlescos.
Bem, pra mim "estado mágico e transcedental" é um impulso religioso, o mesmo mecanismo psicológico de sublimação que leva ao messianismo.
No dia em que a arte precisar de "um messias" ela será tão inútil e hipócrita quanto as religiões. Na verdade seguindo o teu raciocínio e levando em consideração nosso mundo dominado por ideologias tão deprimentes e podres seria até mesmo forçoso concluir que todo artista já é um messias.
Sabina, nao sei se vc vai concordar comigo, mas a conversa meio atravessada entre a gente me parece toda cortada por essa solidao de que vc falava no seu post. Para conversar mesmo, de uma forma mais fluida, a gente precisa de um certo sentido de habitar um campo intelectual comum, compartilhar ideias e experiencias e interpretacoes de experiencias e ideias. Quem sabe a gente vai se connhecendo assim eletronicamente de blogue a blogue e consegue chegar la nao eh mesmo? Concordo com vc muito qdo vc fala desse conformismo com a mediocridade, com a pequeneza, com a irrelevancia. As vezes leio um cara e penso "puta merda, esse cara escreve ate bem; se ele se levasse so um pouco mais a serio, se ele tivesse a coragem de tentar um algo mais, ser mais ambicioso, talvez ele conseguisse. mas ele nem tenta..." Sera que era isso que vc queria dizer?
na verdade começamos a discussão falando sobre as manifestações artísticas que estão estreitamente ligadas a escolas já bastante exploradas e que por isso, segundo o autor do texto, não possui nenhum brilho muito especial.
depois acabamos nos concentrando na idéia da arte precisar de um messias que revele algo esquecido ou encha a vida de grandes idéias, o que obviamente refuto como pura ilusão vã.
Sim, Paulo, é isso que me preocupa.
E mais uma coisa: eu faço um esforço para publicar meus textos, procurar editoras boas, e isso envolve um certo jogo de cintura entre pessoas de um mercado que não conheço direito. Acho fácil publicar numa editora pequena que não te exige quase nada. Você manda o texto, eles simpatizam e aceitam. Esse pouco critério, o excesso de facilidade, acaba funcionando contra você, porque sua carreira estanca numa relação acomodada entre amigos.
Quando uma editora grande diz: "isso não vai vender", é porque eles sabem quem são as pessoas que compram livros. Não adianta criticar o capitalismo e etc. Se você quer escrever, é para alguém ler, e essas pessoas têm um perfil, não há um "leitor ideal" feito especialmente pra você.
É difícil adaptar os próprios interesses à prática de mercado, mas acho que isso deve ser feito, com coragem.
Então chegamos à questão dos jornalistas... todo escritor precisa do apoio dos jornalistas. Mesmo que uma editora grande lance seu livro, isso não é garantia que algum jornal vá se interessar e resenhar. E sem uma resenha boa e com destaque, seu livro vai direto da imprensa para a estante, e ninguém vê.
Então compreender as rixas entre professores/críticos e jornalistas é importante pra mim, porque os jornalistas passaram pelas faculdades, fizeram opções a partir do que aprenderam.
Não tenho um gosto fútil pela fofoca: isso me diverte, por um lado, mas é uma preocupação profissional também.
hum... sei não, mas dizer que é preciso ter coragem pra adaptar os próprios interesses (seus escritos) à essa pratica mercantil é no mínimo uma contradição absurda.
Pra mim coragem é justamente o contrário, é procurar formas de tornar seus escritos conhecidos sem se render a esses padrões de mercado que tantas vezes amputam nossa arte, limitam nossas idéias em nome de uma pseudo "preferência de mercado".
Vendas e sucesso de crítica não é sinônimo de qualidade, a história nos ensina isso, pois como todos sabemos inúmeras foram as obras literárias consideradas pífias em vendas e críticas no seu lançamento, mas que as gerações posteriores souberam reconhecer seus valores e acabaram colocando-as no seu devido lugar de destaque, ao passo que obras com sucesso de vendas em determinada geração simplesmente foram esquecidas após algumas décadas.
Entendo a realidade de uma maneira bem mais ampla, de modo que nunca irei restringir minhas idéias ao gosto ou preferência de uma geração, ou uma sociedade, ou uma suposta preferência de mercado (agh! isso dá náuseas).
A história da humanidade é gigantesca, as convenções humanas mudam mui rapidamente, idéias ontem condenadas, hoje são glorificadas, pensamentos hoje esquecidos em estantes, amanhã serão aplaudidos, assim é a nossa história, assim é o ser humano.
Amputar as idéias na rendição aos ditames de mercado é o mesmo que fazer obras literárias esperando apenas por vendas imediatas, e isso é algo próprio de um comerciante não de um escritor, me perdoe a franqueza. As editoras entendem de vendas, de seus próprios lucros, quem entende de arte é o escritor!
E ao meu ver essa idéia de se "adaptar" aos interesses de um editora é o mesmo de se entregar a mediocridade de uma geração... e curiosa essa conclusão que chegamos não?
p.s: não sei pq, mas tô com a impressão de que serei odiado neste blog dps desse meu comentário. nada pessoal Sabina, são apenas divergências ideológicas... rsrsrs.
ninguém vai te odiar, chapeleiro, mas esse seu discurso me parece infantil.
os escritores admirados hoje foram lidos, comprados e admirados em suas épocas. são poucos os exemplos de pessoas realmente humilhadas que foram resgatadas depois da morte. até no caso do kafka, símbolo corrente da frustração injusta, isso é um mito, não um fato histórico.
essa conversa está me enjoando.
vou parar por aqui.
eu sabia que iria ser odiado rsrsrs
mas tudo bem, desde o início da discussão eu senti que nossas idéias entrariam em conflito mesmo.
Postar um comentário