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Limas da Pérsia
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sexta-feira, 5 de janeiro de 2018
quinta-feira, 28 de setembro de 2017
Em 1997... (a ideia depois se tornou o livro "Calcinha no varal")
Este vai ser um livrinho muito sentimental, o primeiro que eu vou escrever.
Tive a ideia dele hoje, 26 de março de 1997, um dia que foi meio triste, mas que me fez pensar em várias coisas importantes.
É sempre o mesmo problema dos últimos tempos, e me dá até um pouco de vergonha de falar deles outra vez, mas enfim... é a minha velha história com XX, que ainda não acabou, e é sempre aquele vai e volta, e eu acabo sempre chorando, e ficando triste.
Mas hoje pensei o seguinte: tudo bem que ele vem e diz que gosta de mim, depois diz que não gosta, depois diz que tá confuso, e eu boba me deixo levar, acreditando em cada coisa que ele diz.
É que pra mim a coisa mais importante é aquilo que a gente fala para os outros, por isso eu acredito no que me dizem. Mas nem todos são assim.
Por isso é bom eu acreditar mais nas minhas observações do que naquilo que ele diz.
Por isso eu tenho que respirar fundo e aguentar, porque mesmo querendo ele comigo, isso acabou. É isso e pronto. Um dia passa.
O que me traz de volta ao livro:
esse tipo de sentimento que eu tenho hoje, é o que quero deixar gravado nas páginas do livro; um sentimento de tristeza calma, de amor doce que, mesmo não correspondido, é amor, e é doce, não fica amargo nem vingativo, nem rancoroso, nem nada. É antes compreensivo, mesmo quando triste.
Eu quero escrever um livro feminino, no estilo dos que eu gosto de ler, como «Vá dove ti porta il cuore», só que um pouco mais bem escrito - ou seja, igual ele nas partes legais, mas sem tantas lições de moral.
Tive a ideia dele hoje, 26 de março de 1997, um dia que foi meio triste, mas que me fez pensar em várias coisas importantes.
É sempre o mesmo problema dos últimos tempos, e me dá até um pouco de vergonha de falar deles outra vez, mas enfim... é a minha velha história com XX, que ainda não acabou, e é sempre aquele vai e volta, e eu acabo sempre chorando, e ficando triste.
Mas hoje pensei o seguinte: tudo bem que ele vem e diz que gosta de mim, depois diz que não gosta, depois diz que tá confuso, e eu boba me deixo levar, acreditando em cada coisa que ele diz.
É que pra mim a coisa mais importante é aquilo que a gente fala para os outros, por isso eu acredito no que me dizem. Mas nem todos são assim.
Por isso é bom eu acreditar mais nas minhas observações do que naquilo que ele diz.
Por isso eu tenho que respirar fundo e aguentar, porque mesmo querendo ele comigo, isso acabou. É isso e pronto. Um dia passa.
O que me traz de volta ao livro:
esse tipo de sentimento que eu tenho hoje, é o que quero deixar gravado nas páginas do livro; um sentimento de tristeza calma, de amor doce que, mesmo não correspondido, é amor, e é doce, não fica amargo nem vingativo, nem rancoroso, nem nada. É antes compreensivo, mesmo quando triste.
Eu quero escrever um livro feminino, no estilo dos que eu gosto de ler, como «Vá dove ti porta il cuore», só que um pouco mais bem escrito - ou seja, igual ele nas partes legais, mas sem tantas lições de moral.
segunda-feira, 28 de agosto de 2017
Tiago revisado
Semana passada escrevi algumas linhas descrevendo o personagem Tiago. Na cena, Violeta está num restaurante e o encontra por acaso. Eu queria marcar o impacto que ele tinha sobre ela. O texto ficou aceitável, mas tinha uns lugares comuns. Pensando mais, encontrei uns detalhes melhores.
"- E o que faz por aqui agora?
- Eu treino de manhã na vila Mariana.
- É mesmo. Taekwondo, não é?
- Hoje eu nadei.
- Também? Uau.
Tiago, tão perto, sentado à minha frente. Os cabelos curtos ainda úmidos da piscina. Eu sentia o cheiro leve do cloro. Seu rosto calmo, um olhar amigo e pacífico. Que homem lindo e gentil. Era moda há alguns anos jovens usarem barba grande. Quase todas me pareciam artificiais e decorativas. Mas a barba de Tiago, densa e escura, era a visão de um outro tempo. Um tempo de homems que praticavam esportes, gostavam de teatro e passeavam bem humorados ao meio dia."
"- E o que faz por aqui agora?
- Eu treino de manhã na vila Mariana.
- É mesmo. Taekwondo, não é?
- Hoje eu nadei.
- Também? Uau.
Tiago, tão perto, sentado à minha frente. Os cabelos curtos ainda úmidos da piscina. Eu sentia o cheiro leve do cloro. Seu rosto calmo, um olhar amigo e pacífico. Que homem lindo e gentil. Era moda há alguns anos jovens usarem barba grande. Quase todas me pareciam artificiais e decorativas. Mas a barba de Tiago, densa e escura, era a visão de um outro tempo. Um tempo de homems que praticavam esportes, gostavam de teatro e passeavam bem humorados ao meio dia."
sexta-feira, 25 de agosto de 2017
Tiago e a Major Diogo
"Tiago, tão perto, sentado à minha frente. Um homem grande, de rosto calmo, olhar amigo e pacífico. Era moda há alguns anos jovens usarem barba grande. Quase todas me pareciam artificiais e decorativas. Mas a barba de Tiago, densa e escura, era a visão de um outro tempo. Um tempo em que só existia seu queixo largo, seu pescoço forte, sua voz branda.
Eu não estava nervosa porque ele era uns dez anos mais novo que eu. Eu não tinha nenhuma expectativa de sedução ou cortejo. Aproveitava humildemente sua companhia encantadora, sem ambições amorosas. O garçom chegou com as duas cervejas. Encheu as duas taças e Tiago fez um brinde.
- Onde seu avô morava na Major Diogo?
- Numa casinha no 671. Perto da Conselheiro Carrão.
- Bacana. Aquela região toda é incrível.
Ele tinha um entusiasmo sem entrelinhas pelo bairro. Pouca gente da minha convivência elogiaria aquela esquina barulhenta e poluída da Major Diogo. Roberta, minha mãe e meu ex-marido, a região não tinha nenhuma qualidade. Era apenas velha e suja."
Eu não estava nervosa porque ele era uns dez anos mais novo que eu. Eu não tinha nenhuma expectativa de sedução ou cortejo. Aproveitava humildemente sua companhia encantadora, sem ambições amorosas. O garçom chegou com as duas cervejas. Encheu as duas taças e Tiago fez um brinde.
- Onde seu avô morava na Major Diogo?
- Numa casinha no 671. Perto da Conselheiro Carrão.
- Bacana. Aquela região toda é incrível.
Ele tinha um entusiasmo sem entrelinhas pelo bairro. Pouca gente da minha convivência elogiaria aquela esquina barulhenta e poluída da Major Diogo. Roberta, minha mãe e meu ex-marido, a região não tinha nenhuma qualidade. Era apenas velha e suja."
sexta-feira, 23 de junho de 2017
Em breve: concursos culturais!
Em breve o canal Exercícios de Criação Literária fará alguns concursos culturais.
Escrevi este abaixo, para a próxima sessão de gravação dos vídeos. Achei fofo, mas só vale em agosto!
"Concurso cultural “Sobre a beleza”.
Escreva e você pode ganhar o livro da escritora inglesa Zadie Smith.
O livro conta a história de um casal já maduro, com três filhos jovens. O marido é professor universitário e trai a esposa Kiki, que é uma mulher cheia de energia, atraente e meio gorda. Kiki é a heroína dessa história. Então o desafio é escrever três características de beleza de uma mulher gordinha. As características mais sedutoras vão ganhar o livro."
Repetindo, para não frustrar ninguém - este só vale em agosto. Quem sabe nas próximas semanas faremos um valendo pra já!
quarta-feira, 14 de junho de 2017
Lá embaixo na Major Diogo
Pedi também uma cerveja (servem long necks em taça) e bebi devagar, enquanto esperava meu prato. Por um instante, lembrei da primeira viagem que fiz com Ricardo, ainda antes de casarmos. Depois de visitar um museu em Lima, no Peru, bebemos vinho branco num restaurante moderno que servia comida peruana gourmet. As mesas ficavam num pátio aberto, a noite estava clara e agradável. Julho de 1997, fazia dois anos que eu estava formada e ainda ganhava pouco, Ricardo pagava sozinho o aluguel do nosso apartamento. Eu acordava antes das sete para tomarmos café juntos, ele abria a porta e pegava o jornal sobre o capacho da entrada. Assinava um jornal tradicional como seu pai sempre fizera. Comecei a ler as notícias diariamente por causa dele, foi o ano da crise asiática, das compras de votos para reeleição do presidente, do índio pataxó queimado vivo por quatro jovens ricos num ponto de ônibus.
Dezenove anos depois eu lembrava vagamente daquelas notícias. Na rua começou uma aglomeração em torno de um grupo de homens e mulheres com camisetas do Brasil, megafones e cartazes escritos em cartolinas. Era um grupo pequeno e improvisado. Gritavam frases de efeito contra o Partido dos Trabalhadores e seguravam cartazes de cartolina: “Dilma, Maduro, Hugo e Fidel – Lixo do mundo”, “O povo é soberano – Intervenção militar não é crime”, “Onde rico manda não tem corrupção – Pois rico não precisa roubar”.
Eu lia os cartazes admirada pela confiança com que ostentavam tal quantidade de besteiras. De repente ouvi uma batida no vidro. Alguém acenava do outro lado da janela.
Era Tiago Nascimento. Ele fazia um jóia, sorrindo, indicando minha cerveja. Sorri também e encolhi os ombros, essas coisas acontecem. Ele deu um tchauzinho e seguiu.
Há vinte milhões de pessoas na grande São Paulo, mas o mundo das artes é pequeno. As pessoas de cinema e publicidade moram nos bairros próximos à avenida Paulista: Perdizes, Pinheiros e vila Madalena a oeste; vila Mariana e Aclimação ao sul. Com menos dinheiro, eu e os atores de teatro ficamos perto o centro – em Santa Cecília e na Bela Vista. A cidade é mais barata ou mais cara conforme você sobe o espigão da avenida Paulista, uma faixa de treze quilômetros a 800 metros de altitude, entre o rio Tietê e o rio Pinheiros. O centro fica abaixo, ao nível do rio, e Bela Vista no meio é acessível e próxima da avenida, se você subir a colina.
Os manifestantes simpáticos aos militares ainda gritavam ao megafone na calçada. Alguns cidadãos sem pressa paravam para ouvir, todos os outros passavam reto. Meu filé estava demorando, a cerveja de 275 mililitros quase acabando. Cansei de olhar a janela e espiava as pessoas nas outras mesas, quando vi Tiago caminhando até a minha mesa.
- Em plena segunda feira, a-ha! - ele disse, simpático como um velho amigo.
- Não tá fácil pra ninguém – respondi sorrindo também. E completei: - Quer me acompanhar?
- Mas é claro!
Nós nunca havíamos conversado, além de duas ou três frases de cumprimento na sala dos professores. Talvez ele nem soubesse o meu nome.
- Você mora por aqui? - ele perguntou.
- Sim, descendo a rua de baixo.
- Que bacana.
- Você também?
- Lá embaixo na Major Diogo.
Dezenove anos depois eu lembrava vagamente daquelas notícias. Na rua começou uma aglomeração em torno de um grupo de homens e mulheres com camisetas do Brasil, megafones e cartazes escritos em cartolinas. Era um grupo pequeno e improvisado. Gritavam frases de efeito contra o Partido dos Trabalhadores e seguravam cartazes de cartolina: “Dilma, Maduro, Hugo e Fidel – Lixo do mundo”, “O povo é soberano – Intervenção militar não é crime”, “Onde rico manda não tem corrupção – Pois rico não precisa roubar”.
Eu lia os cartazes admirada pela confiança com que ostentavam tal quantidade de besteiras. De repente ouvi uma batida no vidro. Alguém acenava do outro lado da janela.
Era Tiago Nascimento. Ele fazia um jóia, sorrindo, indicando minha cerveja. Sorri também e encolhi os ombros, essas coisas acontecem. Ele deu um tchauzinho e seguiu.
Há vinte milhões de pessoas na grande São Paulo, mas o mundo das artes é pequeno. As pessoas de cinema e publicidade moram nos bairros próximos à avenida Paulista: Perdizes, Pinheiros e vila Madalena a oeste; vila Mariana e Aclimação ao sul. Com menos dinheiro, eu e os atores de teatro ficamos perto o centro – em Santa Cecília e na Bela Vista. A cidade é mais barata ou mais cara conforme você sobe o espigão da avenida Paulista, uma faixa de treze quilômetros a 800 metros de altitude, entre o rio Tietê e o rio Pinheiros. O centro fica abaixo, ao nível do rio, e Bela Vista no meio é acessível e próxima da avenida, se você subir a colina.
Os manifestantes simpáticos aos militares ainda gritavam ao megafone na calçada. Alguns cidadãos sem pressa paravam para ouvir, todos os outros passavam reto. Meu filé estava demorando, a cerveja de 275 mililitros quase acabando. Cansei de olhar a janela e espiava as pessoas nas outras mesas, quando vi Tiago caminhando até a minha mesa.
- Em plena segunda feira, a-ha! - ele disse, simpático como um velho amigo.
- Não tá fácil pra ninguém – respondi sorrindo também. E completei: - Quer me acompanhar?
- Mas é claro!
Nós nunca havíamos conversado, além de duas ou três frases de cumprimento na sala dos professores. Talvez ele nem soubesse o meu nome.
- Você mora por aqui? - ele perguntou.
- Sim, descendo a rua de baixo.
- Que bacana.
- Você também?
- Lá embaixo na Major Diogo.
quarta-feira, 31 de maio de 2017
Bochechas e lábios
Trabalhei dezoito anos escrevendo roteiros para vídeos institucionais, comerciais de TV, programas infantis, documentários, seriados e até uma telenovela. Escrevia rápido, com prazos curtos. Muita coisa mal revisada para chefes menos geniais do que se achavam. Aguentei reuniões e vaidades e falsas simpatias. Antes de orientar um aluno, pergunto se ele está escrevendo para si mesmo, se tem algum ideal artístico, ou se pretende ter uma carreira como roteirista. Assim vou parcelando as doses de realidade, conforme o aluno me pareça disposto a receber.
Quando comecei a dar aulas, a escola oferecia apenas cursos livres de roteiro. Oficinas de oito aulas para curiosos sobre a área. Agora há um curso de graduação em Dramaturgia, e os formados recebem um diploma universitário. Precisei estudar novamente, meu diploma de bacharel não era suficiente para dar aulas na graduação. Mas não voltei à faculdade de Artes e Comunicação. Meu pai tinha registros antigos de família e procurei o departamento de História.
Minha bisavó nasceu em 1902, numa antiga fazenda de café em Cabreúva, no distrito hoje chamado Bom Fim do Bom Jesus. Era filha sem pai de uma negra livre. Trabalhou toda vida como cozinheira de famílias ricas em São Paulo. Aprendeu a ler e escrever sozinha depois de adulta. Quando morreu, aos sessenta anos, deixou para meu pai uma dúzia de cadernos, suas memórias. A professora do departamento de História ficou admirada com esse material.
Eu me matriculei no mestrado aos quarenta anos, para estudar a história dos negros em São Paulo. Minha dissertação está quase pronta. Usei os cadernos de minha avó como ponto de partida.
Quando meus alunos brancos escrevem num exercício que um personagem é negro, eu geralmente pergunto: por que ele é negro, isso faz diferença na história?
No meu bairro, a dona do mercadinho é branca. O mendigo que ganhou a cerveja era negro. Minha vizinha, com o cachorro emburrado, eu não sei. Seu rosto é inchado, provavelmente por causa do álcool. Sua pele é desbotada. Eu poderia presumir, pela forma de suas bochechas e lábios. Mas me pergunto se faz diferença na história.
Quando comecei a dar aulas, a escola oferecia apenas cursos livres de roteiro. Oficinas de oito aulas para curiosos sobre a área. Agora há um curso de graduação em Dramaturgia, e os formados recebem um diploma universitário. Precisei estudar novamente, meu diploma de bacharel não era suficiente para dar aulas na graduação. Mas não voltei à faculdade de Artes e Comunicação. Meu pai tinha registros antigos de família e procurei o departamento de História.
Minha bisavó nasceu em 1902, numa antiga fazenda de café em Cabreúva, no distrito hoje chamado Bom Fim do Bom Jesus. Era filha sem pai de uma negra livre. Trabalhou toda vida como cozinheira de famílias ricas em São Paulo. Aprendeu a ler e escrever sozinha depois de adulta. Quando morreu, aos sessenta anos, deixou para meu pai uma dúzia de cadernos, suas memórias. A professora do departamento de História ficou admirada com esse material.
Eu me matriculei no mestrado aos quarenta anos, para estudar a história dos negros em São Paulo. Minha dissertação está quase pronta. Usei os cadernos de minha avó como ponto de partida.
Quando meus alunos brancos escrevem num exercício que um personagem é negro, eu geralmente pergunto: por que ele é negro, isso faz diferença na história?
No meu bairro, a dona do mercadinho é branca. O mendigo que ganhou a cerveja era negro. Minha vizinha, com o cachorro emburrado, eu não sei. Seu rosto é inchado, provavelmente por causa do álcool. Sua pele é desbotada. Eu poderia presumir, pela forma de suas bochechas e lábios. Mas me pergunto se faz diferença na história.
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