quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A faculdade mais bonita da cidade

Anteontem alguém me perguntou se eu ainda trabalhava na Cásper. "Sim", eu disse, "Já faz dez anos." Ainda assustada com essa marca histórica, completei: "Pensei algumas vezes em mudar, mas continuo lá porque é divertido, os alunos são engraçados".

Bem: esta é a portaria, este é o elevador, estes são os alunos. Chegando perto da sala (1min 16seg) eles cantam que vão para a aula, aprender a escrever roteiros. Espero que eu não seja culpada por acontecimentos desastrosos no futuro da TV paulista.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

No pretérito

Acertar o tempo verbal é a chave de escrever (pra mim).

Muitas vezes componho alguns parágrafos no presente, com informações gerais sobre o personagem, mas isso logo trava. É difícil avançar em digressão. Com o tempo verbal preciso - num passado específico - é possível enumerar fatos, escrevendo em encadeamento de cenas, o que facilita muito. 

Por exemplo, em vez de dizer: "Fazia alguns meses que eu estava solteira, depois de um casamento de onze anos com uma mulher mais velha que eu. Não tinha ideia do que faria depois da separação. Aos vinte anos eu tinha certeza, existiam dez lésbicas em São Paulo, cinco num bar e cinco no outro. Foi um orgulho conhecer minha primeira mulher - adulta, segura e bem sucedida. Eu tinha atravessado a redoma da minha geração e chegado ao mundo real. Sem planejar, eu era agora o mundo real."

Em cena, sem digressão, posso reescrever: "Minha ex-mulher telefonou e combinamos almoçar. Nos encontramos às duas da tarde, num restaurante perto do trabalho dela (eu tinha mais tempo livre, podia me deslocar). Fazia dois meses que não a via, ela tinha clareado os cabelos e de longe, quando cheguei, quase a confundi com uma velha. Mas sentada à sua frente reconheci o olhar vivo que conhecia tanto. Falamos de assuntos gerais mas não da separação, que ainda era recente."

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Materialismo dialético, IV


Eu lia, nesse período, duas biografias de escritores que se suicidaram ao fim da segunda guerra mundial. Estava organizando meu pensamento sobre sofrimento e suicídio, num momento de estabilidade depois uma longa depressão finalmente curada. Tentava refletir com distanciamento e resgatar a sensação de profundidade de que sentia falta. A depressão era terrível quando estive mergulhada, mas a estabilidade pode ser indiferente. Não havia, em torno de mim, fatos suficientes para inspirar um suicídio, não havia um horror disperso comparável ao horror da guerra? Havia. Seria grosseiro esquecer isso.

Eu me mantinha estável porque inventaram bons remédios, provavelmente. Alguns anos de psicoterapia, uma série considerável de percepções iluminadoras sobre minha história e comportamento, a aposta idealista no poder transformador da psicanálise, nada disso evitara minha instabilidade emocional frente aos detalhes do cotidiano. No momento da fragilidade, só os remédios me resgatavam. Lendo as vidas dos escritores que morreram sem remédio, eu tentava permanecer sensível e não julgá-los infantis ou incompetentes.