quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Wet macula II, de Jean-Claude Bernardet

"O que amigos meus estranham – e eu também – é que pior eu vejo, mais eu leio. Leio ampliações de livros, assim mesmo com lupa e com luz intensa.

Se, na tela cinematográfica, no palco, no quadro, no desenho, não se perceber a materialidade da obra, a intensidade da luz ou da cor, a relação com a obra cinematográfica, plástica, teatral, fica comprometida. Portanto a fruição e a compreensão.

Já o livro, como objeto, não é uma obra (embora também possa ser pelo seu papel, sua diagramação etc.), mas é essencialmente um suporte. Se o contraste entre a letra e o papel ficar esmaecido para o meu olhar, em nada se altera a significação da palavra. Se num primeiro passar do olho (em realidade acho que leio apenas com um olho, o esquerdo) um “rn” se funde num “m”, perturbando o sentido, o olho volta e acaba distinguindo o “r” e o “n”. A leitura fica mais lenta, mas o texto compreensível.

Eu, que já lia muito, me tornei um leitor frenético. Diria que é uma leitura aluvional. É uma leitura que me traz abundantes materiais e me estimula. Quero dizer uma leitura que dá vontade de escrever, que impulsiona a escrita.

Agora me sinto um escritor, embora tenha publicado vários livros, não me sentia assim. É como se tivesse ocorrido uma guinada na minha vida. A leitura me torna escritor. O processo começou com Serge Doubrovsky, depois fui em direção dos espanhóis Enrique Vila-Matas, Rosa Montero, Javier Marías. O escritor que tenho mais lido e com paixão é Roberto Bolaño (fui atingido pela bolañomania). Mas seu texto, que pode provocar insônias e obsessões, não me leva a escrever. Não é sempre o grande escritor que impulsiona a escrita. Às vezes fico com a impressão de escrever literatura espanhola em português. Uma médica homeopata, que eu não tinha consultado durante dois anos, me disse recentemente que estou passando por uma profunda transformação. Certamente, só não sei no que vai dar."

(Jean-Claude Bernardet)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Por que dizer não?

(revisado)

Ando meio sumida, mas não é propriamente uma crise. Estou preguiçosa. Também tenho sentido saudades de desenhar, ler quadrinhos; cansada de livros só com letras.

Não comentei suficientemente o quanto achei ASSUSTADOR o filme sobre Saramago. Escritores famosos são assediados por fãs e jornalistas, já sabemos... mas impressiona ver uma hora e meia desse assédio. O velhinho quieto no canto, dá quase pena. Em certo momento, ele diz algo assim: "As pessoas pedem fotos, é lógico que às vezes incomoda, eu não quero tirar fotos... mas eu vou dizer não por quê? Não é uma questão de gentileza, mas... por que dizer não a uma pessoa?"

O filme é um remédio pra qualquer pessoa que sonhe, mesmo vagamente, com a fama literária. Eu nem gostava muito do Saramago... gosto mais depois do filme.

- - -

Escrevi faz alguns dias sobre os prêmios literários, e o Marcos indicou um entrevista sobre crítica e poesia. O que eu teria a dizer sobre isso:

- Acho meio velha essa conversa sobre a pouca qualidade da poesia hoje. Não que discorde, ou que seja mentira. Mas o problema não é esse. O espírito do tempo é algo difícil de capturar.

- Não sou leitora assídua de Ginsberg, mas gosto do famoso verso "vi as melhores cabeças da minha geração destruídas pela loucura". Muitas vezes me pergunto: onde estão as melhores cabeças da minha geração? Não sei nem dizer quais são.

- Literatura é um prazer entre outros. Em geral, não dá dinheiro e não tem relevância social. Gosto de escrever, mas também de outras coisas: artes plásticas, teatro, música, cinema, games, TV, happenings, internet... jornalismo, história, filosofia, crítica literária... se a literatura anda chata, qual o problema?

- Intervenção no(s) outro(s), em qualquer mínimo grau, é o barato do negócio. Mas pra isso (de novo) a gente precisa entender o espírito do tempo. Difícil - -

- A gente faz o que consegue. Mas se ninguém liga, é porque estamos fazendo algo errado.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

José e Pilar

Assisti ontem a "José e Pilar". Eu não sabia que Saramago tinha decidido tão tarde escrever romances profissionalmente. Entrevista interessante à revista Playboy.

"A virada na vida do escritor foi engatilhada de maneira acidental, em 1975, quando, demitido do cargo de diretor-adjunto do Diário de Notícias ele decidiu não procurar emprego, abrindo assim espaço para que a sua criação literária deslanchasse em regime de dedicação exclusiva."

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Mônica Nador

Procurando uma quadro de Wesley Duke Lee, esbarrei neste vídeo.

Exite um certo cliché nessa opção - escapar ao vazio da vida burguesa no contato com os pobres.

Mas... uma opção de vida precisa ser original? Poderia ser?


Mônica Nador por baroukh no Videolog.tv.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A massa sebenta

Alguns anos atrás, li a análise de um romance do século XVIII - ou, ao menos assim memorizei, embora esquecendo os detalhes. Era a trajetória de um homem, cujos esforços sempre levavam à frustração, até que o personagem decidia aceitar as coisas do jeito que eram. Em vez de lutar contra tudo, tentando "fazer o melhor", ele passou a simplesmente aceitar. Se fazendo ele não conseguia nada, finalmente foi feliz quando decidiu não fazer.

Nunca esqueci essa lição de vida às avessas. Aceitar é complexo, porque implica também não reclamar. Não basta dizer que aceitou, ou parar de agir. A aceitação profunda significa absorver, em seu ser, aquilo que de início te parecia errado.

Esse preâmbulo filosófico tenta organizar algumas idéias, a partir de artigos que saíram no jornal nos últimos dias.

Na Folha de domingo, saiu um texto de Damián Tabarovsky, chamado "O escritor sem público". Uma espécie de manifesto, ou carta de princípios, para definir o que seria uma "literatura de esquerda", em oposição à literatura de mercado ou dr academia.

Eis alguns trechos:

- - -

"A literatura que me interessa - a "literatura de esquerda" - suspeita de todas as convenções, inclusive as suas próprias. Não busca inaugurar um novo paradigma, mas pôr em questão a própria ideia de paradigma, a própria ideia de uma ordem literária, seja ela qual for. É uma literatura que se escreve sempre pensando no lado de fora, mas um lado de fora que não é real: esse fora não é o público, a crítica, a circulação, a posteridade, a tese de doutorado, a sociologia da recepção, a contracapa, os parabéns."

"A literatura de esquerda é escrita pelo escritor que não escreve para ninguém, em nome de ninguém, sem outra rede além do desejo louco de novidade."

"Esse lugar em que se escreve e se inscreve a literatura de esquerda, esse outro lugar, que não é a academia nem o mercado, não existe. Ou, melhor dizendo: existe, mas não é visível, nem nunca será. Instalado na pura negatividade, a visibilidade é seu atributo ausente. Fora do mercado, longe da academia, em outro mundo, no mundo do mergulho da linguagem, em seu balbuceio, institui-se uma comunidade imaginária, uma comunidade negativa, a comunidade inoperante da literatura."

- - -

Não é questão de concordar ou discordar. O argumento é interessante, e a princípio eu concordaria. Mas como dizem em futebol, falta combinar com o adversário. Negar o mercado ou a academia seria, por si, como atitude filosófica, suficiente para garantir algum interesse ou qualidade no que se escreve? Não. Há centenas de escritores desconhecidos e amargurados por aí, justificando-se e culpando a "academia e o mercado" por suas frustrações.

Por outro lado, há coisas boas na academia e no mercado (acredito). Luiz Ruffato me parece um exemplo de escritor moldado para os gostos acadêmicos, e bom. Quanto ao mercado, ando meio desatualizada. Mas digamos Simenon...

- - -

Mas relembro o artigo de Tabarovski com alguma saudade, ao ler hoje no Estado a reportagem da entrega do Prêmio Portugal Telecom. O texto abre com a declaração do vencedor Chico Buarque:

"Não li todos, não sei se mereço o prêmio, mas merecia estar entre os primeiros, talvez. (...) O livro não é mau."

Depois vem o depoimento de Jô Soares, mestre de cerimônias do evento:

"Sou meio responsável por este prêmio. Falei: 'Se o Chico não ganhar eu não vou'. (...) Ansioso para chamar o músico ao cenário montado no formato de seu programa de TV, o apresentaedor nem citou os outros seis finalistas."

- - -

São nossos príncipes. O melhor da raça.

Aceitemos, ou não escaparemos à eterna frustração. Nós, a massa sebenta.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O leitor palanque, de Indigo

Indigo começou um novo blog, chamado 73 Leitores. Eu me identifiquei com este aqui (sem os óculos, felizmente):

- - -

"Ele chega ao balcão das novidades, tira os óculos do bolso da camisa e dá uma olhada geral. Emite um grunhido pela garganta e diz:

- Vamos ver...

Pega um livro da pilha e proclama o título.

- Um... Erro.... Emocional.

Deixa o título pairando pela livraria, de modo que não tem como você não começar a pensar no que seria um erro emocional. Então ele repete. “Um Erro Emocional, humpf...”. Pega outro livro.

- Bilionários por acaso. Tá bom então, conta outra.

Devolve o livro.

- O que se passa na cabeça dos cachorros.

Esse é o título do livro, mas ele repete. “O que se passa na cabeça dos cachorros?” Agora é uma pergunta. Não é para ninguém responder. Ele mesmo vai responder. Vai virar a contracapa e oferecer a resposta."

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Minha ignorância

Vi, nos originais de Jorge Andrade, um diálogo com a expressão: isso não tem nada a haver com aquilo.

Eu nunca havia pensado na origem dessa expressão, que escrita assim fica tão clara.

Perguntas adolescentes

- O que você acha do aborto?
- O que eu acho?
- É.
- Bem... acho que deveria ser legal, mas é... para casos de exceção.
- Deveria ser legalizado mas não banalizado.
- Que palavras elegantes!
- Foi a professora que falou. Eu não saberia falar assim, né?