quarta-feira, 29 de julho de 2015

Queen size

"Abril de 2004

Eu tenho 26 anos, duas quitinetes, um apartamento de dois quartos e uma namorada que mora numa quitinete alugada. Minha avó me deu os imóveis como presente de formatura da faculdade e também como encerramento oficial de sua responsabilidade. Foi simples e direta: "- Você é maior de idade, tem um diploma e uma renda pra sobreviver. Daqui pra frente você toma conta da sua própria vida." Na hora levei um susto, depois, quando assinamos os documentos, virei a nova dona do mundo. Os aluguéis caíram na minha conta, mandei pintar a quitinete mais bonita para eu mesma morar, comprei uns móveis na Tok Stok e uma cama queen size com lençóis coloridos. Depois de estreada e utilizada irresponsavelmente com uma meia dúzia de mulheres esquisitas de várias maneiras, essa cama ficou oito meses esperando Diandra tirar a roupa e se aconchegar peladinha.

Diandra, euforia do meu coração. Hoje a moça da imobiliária telefonou para avisar que o inquilino do apartamento grande vai encerrar o aluguel em maio. Tudo o que eu quero é levar nossas coisas para lá e passar todo o resto da minha vida com você."

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Diandra

"Diandra está viajando. Está no Rio de Janeiro para o curso de um software de edição de som. Ela viajou domingo à tarde, eu a levei de carro até o aeroporto de Congonhas, depois passei no supermercado e voltei pra casa. Na segunda-feira conversamos pelo telefone às nove da noite, depois assisti um documentário que me interessava e que provavelmente a ela não.

Na terça senti dor de estômago, pensei que era gastrite, mas continuei sentindo náusea ontem, deve ser uma virose ou alguma comida que me fez mal. Talvez um hamburguer mal passado que comi no almoço de segunda. Não me sinto mal a ponto de vomitar, mas meu estômago dói e sinto enjôo ao pensar em comida, e muito cansaço. Trabalhei como foi possível mas à noite senti muita falta de Diandra. É o quarto dia que ela está longe, quatro dias voltando para casa sozinha, no domingo gostei de ter a noite livre para ficar em silêncio e gastar as horas do meu jeito, mas a casa vazia hoje me pesou.

A decisão de ficar sozinha quando Diandra viaja, não fugir disso telefonando ou marcando algo com alguém, não é fácil para mim. Tomei algumas decisões sobre o uso do meu tempo, e também sobre como quero me comportar, ler e estudar mais, pensar, me concentrar, e depender menos da satisfação rápida por estímulo imediato. Desde talvez os treze ou catorze anos, nos momentos de cansaço, depois de um dia ou semana de atividades, minha reação para relaxar era telefonar para alguém. O prazer - a distração - o descanso - dependiam de outras pessoas. Agora decidi verificar se é possível ter prazer, distração e descanso apenas sozinha comigo.

Talvez eu tenha decidido isso, o que necessitou coragem (e necessita um esforço constante, conforme se apresentam as situações específicas), apenas porque agora tenho a companhia de Diandra. Porque não estou sozinha, em condição mais ampla. Tenho certa vergonha disso."

domingo, 5 de julho de 2015

Isadora Ullman

"Minha melhor amiga no colégio, Suzana, me desprezou quando comecei a namorar o Vinícius.

- Você não gosta dele. Você só está fazendo isso para não ficar sozinha.

Era verdade que eu não era apaixonada por ele. Vinícius tinha sido nosso amigo nos últimos dois anos, o terceiro componente do nosso grupo pequeno e secundário na classe, em que Suzana era a líder. Suzana tinha personalidade para dominar as conversas e decisões entre nós, mas não o bastante para se destacar na classe toda. A líder da nossa turma era uma garota alta e valente que jogava vôlei, Isadora Ullman. Eu a admirava, embora ela talvez nem soubesse meu nome - para as meninas bonitas da turma, eu era apenas a amiga de óculos da Suzana.

Isadora Ullman e as bonitas da classe tinham namorados e transavam. Mas as garotas comuns nem sempre. Havia duas comuns e avulsas que namoravam, eram adventistas, magrinhas com roupas de adultas, os namorados eram provavelmente seus futuros noivos. As outras, como eu e Suzana, não sabiam conversar com os garotos bonitos, não iam a festas nem bebiam, não tinham a menor ideia de como trocar olhares ou paquerar. Havia uma turma grande dessas garotas comuns, quatro ou cinco, que andavam sempre juntas. Elas não criticavam Isadora Ullman - provavelmente para elas, como para mim, Isadora era tão bonita e gente boa que não havia o que criticar. Estava num estágio mais avançado que nós, namorava e transava porque isso fazia parte do mundo dela, que nós desconhecíamos.

Mas Suzana não gostava de Isadora. Dizia que ela era arrogante e convencida. Que era interesseira e só a procurava quando precisava de ajuda com a matéria e as provas. Pensava que era adulta, mas era só uma garota mediana que não ia passar em nenhum vestibular importante porque não era suficientemente inteligente.

Suzana dizia:

- Eu não vejo nenhuma vantagem em transar com um namorado que você conhece aos dezesseis anos. Isso vai durar quanto? Vai correr o risco de ficar grávida por um cara que daqui a dois anos você já esqueceu?

Eu não via motivo para tanta restrição ao sexo. Vinícius era um pouco gordo e tinha vergonha de ficar sem camiseta, por causa da barriga. Mas queria muito transar. Depois de algumas vezes, percebemos que era melhor eu ficar por cima."